Declarada a convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família, por um homem de 28 anos e uma mulher de 92, foi lavrada escritura pública.
Pouco tempo depois, descoberta a fraude - pois o "companheiro", por dissimulação, vislumbrava o recebimento de pensão por morte.
O sujeito vivia, sim, em união estável, mas com mulher de idade próxima da sua, com quem tem dois filhos, conforme divulgado pelo mesmo no Facebook.
Hoje foi publicado o parecer pela procedência do processo administrativo disciplinar instaurado contra o tabelião e a aplicação de multa de R$ 120 mil, vez que deveria ele ter agido com prudência, recusando-se a praticar o ato - contrário aos fundamentos jurídicos -, e não ter corroborado com simulação que salta aos olhos, dados os indícios evidentes de fraude.
Pois bem. O Tabelião de Notas é agente público do qual se exige formação acadêmica em Direito e cuja atuação é dotada de fé pública.
Na dúvida, mínima que fosse - o que não era o caso, pois patente a fraude -, deveria o tabelião ter consultado o juiz corregedor.
Por não ter agido com cautela, sofreu processo administrativo disciplinar, viu seu nome exposto publicamente e foi condenado ao pagamento de multa, no valor de R$ 120.000,00.
PROCESSO Nº 2016/216892 (Origem nº 0048142-07.2015.8.26.0100 – 2ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS) - SÃO PAULO. Parecer nº 05/2017-E Processo administrativo disciplinar instaurado pela Corregedoria Permanente por ordem desta Corregedoria Geral – Absolvição – Avocação do feito. Escritura pública de declaração de união estável – Suposta convivência pública, contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de família de homem de vinte e oito anos e mulher de noventa e dois – Partes que declaram que, no momento da lavratura, a convivência já perdurava havia mais de dez anos – Pleito de aplicação à união do regime da comunhão universal – Regime de bens inaplicável ao casamento, por força do que dispõe o artigo 1.641, II, do Código Civil – Autorização direta do tabelião para a lavratura nessas condições – Escritura pública utilizada pelo companheiro, menos de um ano depois, para requerer a complementação da pensão advinda da morte da companheira – Fraude descoberta no âmbito da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo – Responsabilidade do tabelião verificada – Indícios de fraude múltiplos e manifestos – Notário que não pode se limitar a transcrever o que lhe é requerido, chancelando simulações evidentes – Deveres de prudência e de prevenção de litígios que não foram respeitados – Tabelião que, na forma do item 1.3 do Capítulo XIV das NSCGJ, tem o dever de recusar a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico e sempre que presentes fundados indícios de fraude à lei – Tabelião que cometeu as infrações disciplinares previstas no artigo 31, I e II, da Lei nº 8.935/94 – Parecer pela procedência do processo administrativo disciplinar, com a aplicação de multa ao tabelião.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Trata-se de expediente que tramitou na 2ª Vara de Registros Públicos da Capital, por meio do qual a Corregedoria Geral da Administração do Estado de São Paulo, encaminhando requerimento da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, requereu a avaliação da conduta de PA, 11º Tabelião de Notas da Capital, na lavratura da escritura pública de declaração de união estável feita por MG e CS (fls. 19/20). Segundo consta, perante a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, MG solicitou, na condição de ex-companheiro, a complementação de pensão advinda da morte de CS, funcionária aposentada do Banco Nossa Caixa S/A, falecida em 14 de março de 2015. No âmbito da Secretaria da Fazenda, a veracidade dos dados constantes na escritura pública de declaração de união estável, lavrada no 11º Tabelionato de Notas da Capital, foi questionada. Levantou suspeita, em especial, a diferença de idade dos conviventes: no momento da lavratura da escritura, MG tinha vinte e oito anos de idade e CS, noventa e dois. O tabelião prestou informações por escrito (fls. 128/131 e 138). O tabelião substituto que subscreveu o ato e a escrevente que o lavrou foram ouvidos em audiência (fls. 148/150). Sobreveio nova manifestação do tabelião (fls. 154/163). Após parecer do Ministério Público (fls. 165/169), o MM. Juiz Corregedor Permanente determinou o arquivamento do expediente (fls. 170/172). Baseado em parecer por mim elaborado, Vossa Excelência anulou a decisão de primeiro grau e determinou a instauração de processo administrativo disciplinar contra o tabelião (fls. 181). A portaria foi baixada (fls. 2/2-C). O tabelião apresentou defesa prévia (fls. 212/217) e foi interrogado (fls. 204). Após a oitiva do tabelião substituto que subscreveu o ato (fls. 221), da escrevente que o lavrou (fls. 222) e de um dos declarantes da escritura aqui analisada (fls. 229), o MM. Juiz Corregedor Permanente julgou improcedente o processo administrativo disciplinar (fls. 227/228). É o relatório. Passo a opinar. Dispõe o item 13 do Capítulo XIII das NSCGJ: 13. O Corregedor Geral da Justiça poderá, a pedido ou de ofício, avocar os pedidos de providências, as apurações preliminares, as sindicâncias e os processos administrativos em qualquer fase, e designar Juízes Corregedores Processantes para apurar as faltas disciplinares, produzir provas e proferir decisões. Salvo melhor juízo de Vossa Excelência, entendo que o feito deve ser avocado, pois, respeitada a posição do MM. Juiz Corregedor Permanente, que julgou improcedente o processo disciplinar, o caso é de procedência, com a consequente aplicação de penalidade ao tabelião. De acordo com a portaria inicial, analisa-se neste processo administrativo disciplinar a conduta do 11º Tabelião de Notas da Capital, que, em 28 de abril de 2014, autorizou a lavratura de escritura pública de declaração de união estável sem os devidos cuidados. Por ocasião da lavratura, MG tinha vinte e oito anos de idade e CS, noventa e dois. No bojo da escritura, as partes declararam que a convivência já durava mais de dez anos e que lhe seria aplicável o regime da comunhão universal de bens (fls. 19/20). A despeito de todos esses fatos, a escritura foi lavrada no 11º Tabelionato de Notas da Capital. Menos de um ano depois da lavratura da escritura, mais especificamente em 14 de março de 2015, CS faleceu (fls. 26). Em maio de 2015 (fls. 7), MG, usando a escritura para comprovar sua qualidade de ex-companheiro de CS, requereu a complementaçao da pensão por morte dela, que era funcionária aposentada do Banco Nossa Caixa S/A. Diligências realizadas no bojo do procedimento administrativo em que foi solicitada a complementação da pensão por morte comprovaram que os conviventes são parentes – ela é tia-avó dele – e que MG, consoante informações obtidas na rede social denominada Facebook (www.facebook.com), mantém convivência pública e duradoura, ao menos desde 2012, com VM, com quem tem dois filhos. Restou comprovado, portanto, que a declaração feita pelas partes no Tabelionato era falsa.A união estável pressupõe, na forma do artigo 1.723 do Código Civil, convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. As fotos acostadas a fls. 50/95, retiradas do facebook, mostram que MG vivia, sim, em união estável. Não com a falecida CS, como foi declarado em escritura; mas com VM, cuja idade regula com a sua e com quem teve dois filhos. Essas provas tornam irrelevante o relato de MG, que, mesmo depois de tudo que já constava nos autos comprovando o relacionamento estável dele com outra mulher, optou por defender o indefensável, sustentando que desde os dezesseis anos viveu em união estável com uma mulher de mais de oitenta (fls. 229). A questão é saber se, nesse caso – em que a diferença de idade entre os supostos conviventes é gigantesca; em que a declaração implica o reconhecimento de um relacionamento amoroso envolvendo um menor de idade e uma senhora de mais de oitenta anos (fls. 19); e em que os envolvidos requereram a aplicação de um regime de bens que, em razão da idade da mulher, seria inaplicável ao casamento (artigo 1.641, II, do Código Civil) – deve o Tabelião responder na esfera disciplinar por ter autorizado a lavratura da escritura. No caso em análise, diante de suas peculiaridades, entendo que o tabelião deve ser responsabilizado. Os indícios de fraude eram múltiplos e estavam claros. Tudo indicava que os supostos conviventes não viviam em união estável e compareciam na Serventia para pré-constituir prova de uma situação inexistente. Ao sindicado, que trabalha na atividade de notas desde 1963 (fls. 189), ostentando, assim, indiscutível experiência, cabia averiguar devidamente essa situação específica. Não que seja função do tabelião investigar a veracidade de cada uma das declarações que lhe são feitas. No entanto, não se pode admitir que o Tabelião confira a fé pública de que é dotado para chancelar fraudes evidentes. Sobre o papel que se espera do tabelião, cito trecho do parecer que embasou a edição do Provimento CG nº 40/2012, que alterou sensivelmente o Capítulo XIV das NSCGJ: “O tabelião não é um escrevinhador, simples redator de documentos, um batedor de carimbos, um chancelador. É profissional do direito, jurista titular de fé pública, cuja atividade - fundada na independência e na confiança do Estado e das pessoas - é preordenada a garantir a segurança jurídica e a paz social. É um agente público, malgrado não titularize cargo nem ocupe emprego público. Exerce atividade fundamental à prevenção de conflitos”. Segue claramente essa orientação o item 1 do Capítulo XIV das NSCGJ: 1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios. 1.1 Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento. 1.2. O Tabelião de Notas, cuja atuação pressupõe provocação da parte interessada, não poderá negar-se a realizar atos próprios da função pública notarial, salvo impedimento legal ou qualificação notarial negativa. 1.3. É seu dever recusar, motivadamente, por escrito, a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico e sempre que presentes fundados indícios de fraude à lei, de prejuízos às partes ou dúvidas sobre as manifestações de vontade. Ao autorizar a lavratura da escritura aqui analisada, o tabelião agiu como mero chancelador de uma situação falsa; deu juridicidade a um fato inexistente, que só não resultou em fraude no recebimento de pensão, pelo cuidado tomado pela Secretaria da Fazenda. Ao invés de prevenir, contribuiu para a ocorrência de um litígio. Embora pudesse se recusar a praticar ato cujo objetivo era fraudar a lei (cf. item 1.3 do Capítulo XIV das NSCGJ), preferiu ignorar os indícios do ardil e lavrar a escritura que lhe foi requerida como mero escrevinhador. Sobre as obrigações que são insítas à função notarial, preceitua o Desembargador Ricardo Dip: “Assim, com a recepção atenta do que manifestam os interessados e a paciente investigação de sua vontade, o notário – sempre sob a luz orientadora da sindérese – examina a licitude tanto moral, quanto positivamente legal, do ato ou negócio que se almeja realizar, avaliando, também as consequências que possam, razoavelmente, ser objeto de prognose. Não faltarão, a esse tempo, as verificações cabíveis da identidade dos sujeitos, de sua capacidade e da titularidade acerca do objeto material, cuja realidade física e jurídica deve ainda sindicar-se. Tudo isso corresponde à inventio da situação singular, que não pode circunscrever-se à mera tarefa amanuense de recolha de alguma vontade dos interessados, senão que, ao revés, é a missão de um iurisprudens fiduciário que, aferindo o escopo desses interessados – interessados (repita-se) cuja identidade e capacidade ele verifica –, atua como seu conselheiro e custódio de segredos, investigando, com a estudiosidade e a solércia que cada irrepetível caso pontualmente recomenda, a consonância dessa vontade com os princípios da justiça e as disposições legais. (...) Pode, entretanto, ocorrer que, ao examinar a moralidade e a legalidade do que desejam os interessados, o notário encontre razões para recusar o concurso de sua atuação” (Prudência Notarial, 2012, p. 93/94). No mesmo livro, o Desembargador Ricardo Dip cita os ensinamentos de Juan Vallet de Goytisolo, constantes na obra Manuales de Metodologia:
“Para aceptar o excusar su ministerio el notario necessita examinar con cuidado tanto los sujetos como el objeto del negocio que debe autorizar, su contenido, causa y finalidad, así como sus presupuestos. Es decir, há de extender su perspectiva: a la situación juridica inicial; al negocio juridico que trata de realizar y a la previsible situación final que se pretende alcanzar. Juan Vallet de Goytisolo” (op. cit., p. 94) Também a doutrina, portanto, enfatiza o dever do tabelião de, na medida do possível, se certificar de que o ato não encerra uma fraude ou simulação, recusando a lavratura na hipótese de duvidar da legalidade ou da moralidade daquilo que lhe é requerido. Diante de todas as incomuns circunstâncias que se apresentavam, era obrigação do tabelião prever que a simulação com que se deparou não pararia por ali. Era evidente que os declarantes pretendiam algo mais; no caso, o recebimento fraudulento de pensão por morte. O entendimento aqui esposado, a bem da verdade, destaca a importância da função notarial. Com efeito, se o tabelião apenas serve para reduzir a termo as declarações daqueles que o procuram – sem reflexão acerca de seu teor, sem a mínima investigação sobre sua veracidade -– , injustificáveis tanto o concurso público de provas e títulos exigido para a outorga da delegação, como os consideráveis emolumentos que são pagos pelo usuário e fixados pelo Estado. E embora não tenha lavrado ou subscrito a escritura que aqui se analisa, o tabelião admitiu em seu interrogatório que autorizou sua lavratura (fls. 204). Disse que orientou a escrevente que atendeu os usuários a lavrar o ato, mesmo diante da diferença de idade dos supostos conviventes e do pedido formulado por eles para que fosse aplicado à união o regime da comunhão universal. A negligência do tabelião, ou seja, sua culpa, advém dessa autorização. Como houve culpa, desnecessária a discussão nesse feito a respeito da responsabilidade objetiva dos notários e registradores. Ressalta-se, de todo modo, que os precedentes mais recentes do Órgão Especial (MS n.º 2207878-70.2014.8.26.0000, rel. Des. João Carlos Saletti, j. 27.5.2015; MS n.º 2225875-32.2015.8.26.0000, rel. Des. Antonio Varlos Villen), desta Corregedoria Geral (entre outros, parecer nº 104/2016-E no processo n.º 71.726/2016) e do Superior Tribunal de Justiça (AgRg nos EDcl no Recurso em Mandado de Segurança nº 29.243/RJ, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 17.9.2015) são no sentido de que não se exige o elemento subjetivo para a responsabilização do delegatário por determinada falta. Desse modo, o tabelião cometeu infrações disciplinares, pois não observou prescrição normativa (artigo 31, I, da Lei nº 8.935/94), em especial o item 1.3 do Capítulo XIV das NSCGJ, e, ao se descuidar de sua função e chancelar declaração falsa, atentou contra as instituições notariais (artigo 31, II, da Lei nº 8.935/94). Considerando todas as evidências de que as partes praticavam um ato simulado, a falta cometida pelo tabelião é grave. Mesmo assim, ante a inocuidade da pena de suspensão, a aplicação da pena de multa é adequada. Seu valor deve ser fixado em patamar que leve em conta os rendimentos auferidos pelo tabelião, pois só assim a punição servirá para desestimular comportamentos negligentes como o aqui avaliado. Analisada a média dos últimos rendimentos auferidos pelo tabelião e levando-se em conta os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a fixação da multa no valor de R$120.000,00 é adequada. Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à consideração de Vossa Excelência é no sentido de avocar o processo administrativo disciplinar e julgá-lo procedente, cassando a absolvição decretada pelo MM Juiz Corregedor Permanente, com a aplicação de multa a Paulo Augusto Rodrigues Cruz, 11º Tabelião de Notas da Capital, com fundamento no art. 32, II, da Lei nº 8.935/94, fixada no valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), pelo cometimento das infrações previstas no artigo 31, I e II, da Lei nº 8.935/94. Sub censura. São Paulo, 13 de janeiro de 2017. (a) Carlos Henrique André Lisboa Juiz Assessor da Corregedoria DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, avoco o processo administrativo disciplinar e o julgo procedente, cassando a absolvição decretada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, com a aplicação de multa a PA, 11º Tabelião de Notas da Capital, com fundamento no art. 32, II, da Lei nº 8.935/94, fixada no valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), pelo cometimento das infrações previstas no artigo 31, I e II, da Lei nº 8.935/94. Determino a publicação do parecer e dessa decisão no DJE por três dias alternados. São Paulo, 16 de janeiro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça. Advogado: ANTONIO JORGE MARQUES, OAB/SP 130.436.
DJE
GOSTOU? COMPARTILHE, deixe um
comentário. NÃO GOSTOU? COMENTE, também. SEMPRE É POSSÍVEL MELHORAR.
Obrigada pela visita!
QUER RECEBER DICAS? SIGA O
BLOG.
Seja leal. Não copie,
compartilhe.
TODOS OS
DIREITOS RESERVADOS
Respeite o
direito autoral.
Gostou? Clique,
visite os blogs, comente. É só acessar:
BELA ITANHAÉM
TROCANDO EM MIÚDOS
"CAUSOS": COLEGAS,
AMIGOS, PROFESSORES
GRAMÁTICA
E QUESTÕES VERNÁCULAS
PRODUÇÃO JURÍDICA
JUIZADO
ESPECIAL CÍVEL (O JUIZADO DE PEQUENAS CAUSAS)
e os mais,
na coluna ao lado. Esteja à vontade para perguntar, comentar ou criticar.
Um abraço!
Thanks for the comment. Feel free
to comment, ask questions or criticize. A great day and a great week!
Maria da Gloria Perez Delgado Sanches
Nenhum comentário:
Postar um comentário