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segunda-feira, 6 de julho de 2015

MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS

Uma Constituição quanto ao seu conteúdo básico e jurídico prevê a organização dos estados; define os direitos fundamentais e os fins do Estado (as chamadas normas programáticas).

A vocação do Estado é o exercício do poder. Por isso pode haver abuso e são precisos limites. A Constituição indica os fins que o Estado busca e os meios, estes compatíveis com os direitos fundamentais.
O "texto constitucional" não deve ser confundido com... (clique em "mais informações" para ler mais)
"Constituição". Ninguém aplica a norma jurídica pelo seu texto, mas pela interpretação que se dá ao texto; a Constituição deve ser entendida com o sistema.
Toda constituição nasce com a vocação de permanência. A Constituição Federal de 1988 prevê a possibilidade de emendas, embora deva ser preservada sua identidade ao longo do tempo. Ou seja, deve ser equilibrada a identidade original com o passar do tempo.
O Código de Processo Civil (CPC) é de 1973. Seu postulado básico era a segurança, a certeza das relações jurídicas, garantia máxima para as partes. Não era grande a preocupação com a celeridade.
Da década de 90 para cá houve profundas alterações:
- simplificação dos processos;
- celeridade, fase executória.
Nosso CPC abandonou a segurança e a garantia e entrou em cena a celeridade.
As mudanças podem ser de tal monta que alterem a identidade original. Pelo conteúdo, nosso CPC é outro. Uma lei pode mudar tanto, a ponto de virar outra.
Uma Constituição não se explica apenas pela sua supremacia. Há um DNA, uma identidade, que não pode ser perdida. Assim, uma Constituição não pode mudar tanto a ponto de se tornar outra. Se isso ocorresse, o poder constituinte derivado se tornaria poder constituinte originário.
O sucesso de uma Constituição está na preservação de sua identidade adaptada ao que a história reserva para ela.

MÉTODOS DE ALTERAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
Existem métodos formais e informais de se alterar uma Constituição.

MÉTODOS FORMAIS OU REFORMAS: é o que ocorre quando o texto da Constituição é alterado, com reformas em função de uma revisão ou de uma emenda constitucional. Métodos formais ou reforma é o gênero; emenda constitucional ou revisão são espécies. O Art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) previu: "A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral."
Votação unicameral: deputados e senadores votam naquele momento. É um só corpo, como se fosse um só colegiado.
Emendas Constitucionais: a princípio, podem ser editadas a qualquer momento.
O que há em comum entre o Art. 60 da Constituição e a revisão constitucional?
São reformas que alteram o texto constitucional.
Com as reformas, há alteração no texto constitucional. Às vezes, uma emenda altera um ou dois artigos, modificando sem alterar significativamente o texto, sem maior profundidade.
Outras vezes, porém, as modificações podem ser profundas, como ocorreu com a EC 19/98 (chamada de reforma administrativa) e a EC 45/2004 (reforma do Judiciário).
A palavra reforma pode significar situação mais próxima de uma ameaça à identidade que a Constituição não pode perder.
O escopo do Art. 60 da Constituição é, portanto, limitar os poderes do poder constituinte derivado, tanto sob o aspecto circunstancial, como formal e material.
 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

Art. 60, III: deve ser lido com cuidado: "(...) mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação", O Distrito Federal também é uma unidade federativa, ainda que não tenha uma assembléia legislativa, mas uma câmara.
"§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros." Por qual casa começa a tramitar a emenda constitucional?
Depende de quem elabora a emenda. Se proposta pelo Senado, a Câmara dos Deputados será a primeira casa a votar; idem se a proposta for do presidente ou de um terço dos deputados; se proposta por um terço dos senadores, a primeira casa a votar será o Senado, que também votará primeiro se a emenda for proposta pelas unidades da federação.
A Câmara votará duas vezes, por três quintos e o projeto seguirá para o Senado, que também votará duas vezes, por três quintos, até que o mesmo teor seja aprovado. As duas casas têm que aprovar substancialmente o mesmo texto e não formalmente o mesmo texto.
Observa-se que a constituição não pode ser emendada quando houver intervenção federal, for decretado estado de defesa ou estado de sítio.
Existem limitações materiais para a edição de emendas: as cláusulas pétreas, estabelecidas no Art. 60, § 4º: não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Além das cláusulas pétreas explícitas, existem outras, espalhadas pelo texto constitucional. Um exemplo é o Art. 127, que dá ao Ministério Público caráter de instituição permanente. A existência e a essência do Ministério Público estão predeterminados na Constituição.

O mandado de deputados federais é de 4 anos e a idade mínima, 21 anos; o mandado dos senadores é de 8 anos e a idade mínima, 35 anos. Por conseguinte, os senadores têm idade mínima mais alta e ficam o dobro do tempo. É a casa conservadora, que nunca se renova por inteiro. São mais velhos e ficam mais tempo.
O projeto da construção do Congresso Nacional idealizou dois pratos: um voltado para baixo e outro para cima. O voltado para cima representa a Câmara dos Deputados, aberta para o mundo; o prato voltado para baixo, o Senado, fechado em si mesmo.

Uma Constituição é mais do que seu texto. Está previsto no parágrafo único do Art. 1º da Constituição que "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição." O dispositivo reproduz o conceito de Lincoln, para o qual a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo: todo o poder emana do povo, primeiro titular (poder constituinte originário), que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição Federal. 

Democracia direta, indireta ou semidireta?
Democracia direta é aquela em que o povo atua, exercendo os poderes governamentais, sem intermediários, fazendo leis, julgando e administrando, o que ocorre nas assembleias gerais. Exemplo de tal democracia é a exercida na antiga Atenas.
Na democracia indireta ou representativa, o povo é a fonte primária do poder, que outorga funções de governo a representantes eleitos periodicamente. 
Por último, a democracia semidireta ou participativa é aquela em que os dois modelos apresentados coexistem: os cidadãos elegem representantes que tomarão decisões em seu nome (mandato político) e institutos de participação direta do povo nas funções de governo.
O Art. 61 da Constituição prevê que "a iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos,” na forma e nos casos previstos na Constituição. 
O grifo justifica-se, pois o parágrafo 2º do mesmo artigo estabelece que o povo pode apresentar projetos de lei: "A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles."
Além da iniciativa popular temos ainda previstos na constituição brasileira o plebiscito e o referendo, com o fulcro de aproximar o cidadão das decisões de governo, sem intermediário.
Como o exercício da soberania popular, no Brasil, se dá por representantes eleitos ou diretamente, dá-se ao nosso regime de governo o nome de democracia semidireta
Quem exerce o direito de cidadania, nele incluído o voto, é o cidadão, o titular dos direitos políticos de votar e ser votado; população é conceito demográfico; povo é o elemento humano do estado, país soberano, configurando o conjunto de nacionais, enquanto nacionalidade é pressuposto da cidadania, vez que só o titular da nacionalidade brasileira pode ser cidadão. 

MÉTODOS INFORMAIS OU MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: ocorrem quando a Constituição muda em razão de uma nova interpretação de seu texto. 
Exemplo é o caso Plessy vs. Ferguson, no estado de Louisiana. Um senhor de pele escura (Homer Plessy) comprou passagem de trem para a primeira classe. Após sentar-se, foi intimado pela polícia a sair, pois acomodado em área reservada para as pessoas brancas. Preso por violar a lei do estado, que seguia o princípio “separados, mas iguais”, compatível com a cláusula de igualdade (equal protection), ajuizou uma ação e o caso foi julgado pela Suprema Corte americana, que concluiu que a atitude do Sr. Plessy (tinha apenas um ascendente negro, seu bisavô) de sentar-se em uma cadeira destinada aos brancos foi uma ousadia. A segregação racial era razoável para os Estados Unidos, em que a ideia de igualdade soava compatível com a segregação.
A orientação do Caso Plessy vs. Ferguson vigorou nos Estados Unidos por mais cinquenta anos, até que em 1954, com o julgamento do Caso Brown Contra o Conselho de Educação, a leitura do texto constitucional mudou, sem a alteração de seu texto, entendendo agora a Suprema Corte que a ideia de igualdade vedava o segregacionismo. Não houve emendas no texto constitucional, mas apenas foi alterada sua interpretação.
O caso mais notório de mutação constitucional (que até hoje recebe críticas) foi o reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo (ADI 4277 e ADPF 132), em maio de 2011, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do Art. 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
A mutação constitucional tem efeitos ex nunc (daí para a frente) e compreende a modulação dos efeitos. 
Uma constituição tem uma identidade, para preservar as cláusulas pétreas. No entanto, é preciso potencial de adaptação, pelos métodos formais e informais.
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Maria da Glória Perez Delgado Sanches

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